Secretários estaduais de ciência e tecnologia e representantes das fundações estaduais de amparo a pesquisa de todo o Brasil vão enviar à Câmara e ao Senado a proposta de um novo marco legal para a ciência no País. A iniciativa nasceu de um fórum em Belo Horizonte que terminou nesta terça-feira e reuniu o Conselho Nacional dos Secretários de Ciência e Tecnologia (Consecti) e o Conselho Nacional das Fundações de Amparo à Pesquisa (Confap).

“Não basta fazer ajustes no cipoal de leis que já existem”, afirma Mario Neto Borges, presidente do Confap. “Só um novo arcabouço legal resolve o problema.” A maioria dos pesquisadores defende a urgência das reformas, inclusive representantes do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq) e da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), presentes no evento.

Também há consenso quanto às mudanças necessárias. No encontro, a exigência de submeter-se à lei de licitações (Lei nº 8666, de 21/06/1993) para a compra de material de pesquisa foi o tema mais debatido. Pesquisadores e gestores argumentam que não faz sentido utilizar a mesma lei que regula construção de estradas para fiscalizar gastos com ciência.

Por um lado, o volume de recursos em jogo seria muito menor. Por outro, demandaria maior agilidade e flexibilidade na execução dos gastos. Muitas vezes, por exemplo, equipamentos essenciais para determinados estudos contam com um único fornecedor. Mas, segundo os cientistas, a legislação atual trata com enorme desconfiança licitações com um só candidato, algo sensato quando o objetivo é construir um hospital, mas bem pouco prático quando a meta é trabalhar com tecnologia de ponta e inovação.

“Há um grave problema cultural no País”, aponta o secretário de Desenvolvimento, Ciência e Tecnologia do Estado do Pará, Alex Fiúza de Mello. Ele afirma que servidores dos órgãos de fiscalização orçamentária, “com raras exceções”, aplicam a lei de forma cega, atendo-se à letra, mas sacrificando o espírito da norma. “Há especificidades no trabalho de pesquisa que precisam ser levadas em conta”, aponta.

Ele propõe que, na mudança do marco legal, os critérios para julgar se o dinheiro público foi destinado corretamente olhem para os frutos da pesquisa, e não para um check list com resultados determinados de antemão. “A princípio, quando um sujeito começa uma pesquisa, não sabe exatamente o que vai encontrar e os caminhos que vai trilhar”, comenta Borges. “É diferente de outros tipos de gasto público.”

Angela Brusamarello, do Tribunal de Contas da União (TCU), também presente no evento, disse que o órgão tem se esforçado para garantir que os auditores aprendam as particularidades do processo de pesquisa e já se observam pequenos avanços na relação com a academia. Contudo, Angela ressalva que a lei atual não é ruim. Bastaria saber aplicá-la.

A lei já prevê, por exemplo, um trâmite específico para a compra de equipamentos de um fornecedor específico. “O problema é que a maioria dos pesquisadores não sabe usar a lei”, afirma Angela. Ela considera importante a criação de uma carreira para gestores científicos que tire das costas dos pesquisadores de bancada o fardo de administrar compras de insumos ou relatórios orçamentários. “Além disso, se todo mundo exigir uma lei diferente para regular o gasto público em cada área – ciência, cultura, esporte… -, a situação só piora”, pondera. “Precisamos de menos leis. Não de mais.”

Mas os cientistas argumentam que a burocracia da atual legislação torna estéreis os esforços para inovação. “Quando mencionamos inovação, estamos falando principalmente da iniciativa privada”, afirma o diretor-presidente da Fundação de Amparo à Pesquisa do Espírito Santo (Fapes), Anilton Salles Garcia. “E o marco legal atual inibe as parcerias dos pesquisadores que atuam na universidade pública com os empresários, pois a iniciativa privada tem medo de perder o dinheiro investido no emaranhado de leis”, conclui Borges.

Outros temas também exigem mudanças – algumas vezes, drásticas – na atual legislação, segundo os pesquisadores. As restrições de acesso à biodiversidade e os entraves à importação de insumos, por exemplo, também geraram relatos acalorados dos cientistas.

Um grupo de juristas que acompanhou as discussões já começou a preparar um conjunto de propostas para alterar a legislação. Uma versão preliminar foi apresentada no fim do fórum. “Mas precisamos de algo mais concreto antes de enviar para Brasília”, comentou Odenildo Teixeira Sena, presidente do Consecti. O texto será melhor elaborado e deve incluir novas sugestões de pesquisadores. A versão final ficará pronta até o fim de julho. O deputado federal Sibá Machado (AC-PT), representando a Comissão de Ciência e Tecnologia da Câmara, comprometeu-se a levar o texto para discussão no Legislativo. 

Por Alexandre Gonçalves – O Estado de S. Paulo – 02/06/2011