29.07.2010

A orla da Grande Florianópolis já serviu de cenário para várias filmagens, mas certas gravações feitas com seis crianças nas praias da região tiveram um propósito maior que a edição de vídeos domésticos: verificar como as brincadeiras na praia contribuem para o desenvolvimento infantil. As imagens foram analisadas durante dois estudos conduzidos pela Unisul (Universidade do Sul de Santa Catarina), com apoio financeiro da Fapesc (Fundação de Apoio à Pesquisa Científica e Tecnológica do Estado de Santa Catarina).

O mais recente destes estudos constatou que “o brincar realmente estimula o crescimento físico e cognitivo”, nas palavras de Mário César Moreira, aluno do Curso de Psicologia da Unisul. “No brincar, a criança tem a oportunidade de desenvolver a sua personalidade, uma vez que ela expõe suas capacidades e explora o meio à sua volta”, diz Mário César, que, ao longo de 6 meses, filmou o filho, então com 2 anos, divertindo-se na Ponta de Baixo, em São José. “Infelizmente vivemos numa época em que os pais e a sociedade em si não têm conhecimento da importância do brincar; imaginam que seja apenas um passatempo e acabam por limitar o tempo da criança com atividades que diminuem a possibilidade da brincadeira.”

Muitos dos pequenos ficam restritos à casa ou à escola também por questões de segurança. A praia é um dos poucos locais abertos que as crianças podem desfrutar gratuitamente, além de ser um ambiente natural relativamente protegido. Nem é preciso ter pás, baldes ou outros brinquedos. “Pude perceber que elementos naturais, como gravetos, pedras e areia, bem como objetos descartáveis como vasilhas e potes de margarina, são suficientes para que uma criança possa brincar, pois na brincadeira essas coisas ganham um novo significado”, acrescenta Mário César. Ele fez suas observações e registros de campo graças à bolsa de iniciação científica do Programa Mérito Universitário Catarinense da Fapesc, que em 2009 permitiu a 328 estudantes participarem de projetos de pesquisa.

A Fundação já havia contribuído para um estudo anterior por meio do seu Programa Pesquisa Universal, voltado a pesquisas que promovam o desenvolvimento da ciência, tecnologia e inovação em Santa Catarina. Aquele estudo, do qual Mário César participou como voluntário, envolveu 4 meninos e 2 meninas, com idade de 1ano e 1 mês a 2 anos e 8 meses. A coleta de dados foi realizada em Canasvieiras, no Pântano do Sul, no Campeche e em praias de São José, em 2008. Uma vez sistematizadas as informações, constatou-se que o ambiente litorâneo favoreceu o exercício do equilíbrio, da atenção e da manipulação de objetos por parte de crianças daquela faixa etária, entre outros aspectos.

“A partir dos resultados encontrados, pode-se considerar que o conhecimento resultante da pesquisa pode contribuir para subsidiar ações educacionais e terapêuticas, com impactos social e econômico, tendo em vista os benefícios que pode trazer para crianças, familiares e educadores”, diz a Profª. Laïs de Toledo Krucken Pereira, do Departamento de Psicologia da Unisul. “A principal dica para os pais é deixar a criança livre em suas escolhas, pois ela sabe muito bem o que fazer. Quando nós, adultos, interferimos, interrompemos a organização da atividade ou o uso que está sendo feito de um brinquedo ou de um objeto com uma finalidade específica que só a criança sabe. E comprometemos seus planos e sua criatividade. Claro, quando a criança solicitar, os pais podem e devem participar, sem esquecer que ela manda na brincadeira.”

Nessa linha de pesquisa, há um terceiro estudo em andamento, no qual Mário César está acompanhando o desenvolvimento do filho por mais seis meses e focalizando o desenvolvimento da capacidade de representação. Essa capacidade tem papel fundamental no desenvolvimento da aprendizagem e na participação social do ser humano ao longo da vida.

Colaboração italiana

A partir dos resultados da pesquisa inicial da série, a professora Laïs lançou o livreto “Brincar na praia: a criança de um a três anos” (Florianópolis : Ed. do autor, 2009). A publicação inicia com o prefácio de Myrtha Chokler, diretora de um centro de referência em desenvolvimento infantil na Bolonha, Itália (Istituto per la Formazione e la Ricerca Applicata). Ela teve seu depoimento traduzido como no trecho a seguir: “O prazer vivido na aventura cotidiana de explorar, de conhecer, de tentar e, sobretudo, compreender, cria na criança a confiança nas próprias capacidades para perceber e pensar, com o sentimento íntimo de ser autor e protagonista de suas emoções, de seus achados e de suas realizações”.

No capítulo Como a criança brinca?, lê-se que na praia a criança pode se locomover à vontade: correr, engatinhar, cair e rolar, escorregar. Todas as crianças observadas, principalmente os meninos, exploraram o espaço em volta engatinhando, andando ou correndo. “É bom também brincar de cobrir o pé com areia. Limpar os pés pode até virar brincadeira, se houver um companheiro para achar engraçado”, relata Laïs, no livreto fartamente ilustrado com imagens das crianças que participaram da pesquisa.

“Tudo na praia, a água, a areia, os pássaros, gravetos e objetos diversos, interessou as crianças. Atirar areia no ar, engatinhar, correr, tudo foi motivo de diversão. Repetir muitas vezes o mesmo gesto não se mostrou cansativo, mas uma maneira de aperfeiçoar a ação e observar os resultados. […]  Na criança tudo funciona junto, integradamente. As diferentes habilidades, os diferentes aspectos só podem ser isolados para fins de estudo. Inclusive a atividade e o funcionamento do cérebro. Os primeiros anos de vida constituem o período de mais intenso desenvolvimento do cérebro, e brincar é a principal fonte desse desenvolvimento”, conclui o livreto, disponível em CD-Rom na Biblioteca da Unisul.

Para saber mais, entre em contato pelos e-mails laiskpereira@gmail.com e cesar2.monitoria@gmail.com.

Fonte: Assessoria de Comunicação da Fapesc